Sou vegetariana por amor aos animais

Sou vegetariana por amor aos animais
COLHER OU MATAR, a escolha é sua

"Se os matadouros tivessem paredes de vidro
todos seriam vegetarianos."

(Paul e Linda Mc Cartney)



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sexta-feira, 25 de março de 2011

Farra-do-boi

O boi no meio dos homens. O boi amedrontado, constrangido. Só.

Os homens embriagados, faceiros. A Farra promete ser grande, tem cachaça e alegria para muitas horas. Encurralado o boi espuma, raivoso. Sabe que é uma batalha difícil, mas vai tentar ficar em pé, fugir. Não sabe para onde…

Ali na meirinha, próximo do mar, não há saída: de um lado uma multidão imprevisível; de outro, as águas revoltas do mar grosso.

Intisica o boi! Intisica o boi! – grita o bacuri, o filho caçula de um dos farristas afoitos. Ele, o pai atiçado, bebe mais uns goles da boa pinga de rolha e dispara com um galho espinhado na mão, vai se unir ao bando que corre atrás do animal cansado, que corre a esmo.

De todos os lados, de todos os jeitos o boi recebe as saraivadas que marcam o couro. A raiva, aplaca a dor, só fica a dor da raiva, que é maior.

Sangra o boi pelas têmporas e ruça, mas ainda corre, não se entrega. Ainda não… Entretanto, os músculos vão enfraquecendo, chegam ao limite da resistência. Ele pára um pouco. Faz isto de vez em quando para recuperar a respiração, que é ofegante, que parece acabar. Intisica!

Recomeça a Farra dos homens. Enquanto isso alguns velhos e outras mulheres iniciam os preparativos para o grande banquete. Cada família deu sua cota, são os sócios do boi. Recolhem lenha seca, amontoam-na junto à grande churrasqueira improvisada, assistem.

O boi funga descompassado, corre de um lado a outro tentando chifrar alguém. Ás vezes consegue, então a Farra cresce. Perdido na condição de animal marcado ele ataca e se defende, mais perde do que ganha. A carne humilhada fraqueja, os músculos perdem a vitalidade.

Os velhos fazem o fogo, é preciso muita brasa. As mulheres limpam o local, organizam a festa.

E faz-se a cantoria, e faz-se a dança.

A baba espumada, que é raiva e cansaço, mistura-se ao sangue vermelho-escuro, formando bolhas incandescentes que se alongam até a terra pisada.

Está prostrado o boi. Desanca no chão à mercê dos homens que, agora, aproximam-se com facas amoladas, machadinhas e serras; que bebem cachaça no gargalo; que gritam, vitoriosos.

O boi acuado. De um flanco os farristas exaltados; de outro o mar grosso.

Então acontece o que ninguém esperava. Como num clarão bíblico o boi se levanta, munido de estranha e inesperada força, e corre, e desanda na direção das águas.

Por um breve instante os farristas, atônitos, calam; cala também a cantoria. Depois, possessos, aqueles homens embriagados rugem, esbravejam. Alguns espumam pela boca enquanto cospem palavras atrozes.

Num mar calmo (assim, de repente) o boi serena numa mansidão crepuscular. Não precisa combater, não se defende. Deixa-se levar resoluto, e submerge nas águas profundas, vitorioso.

Fonte:
Coluna do Jaime Ambrósio – Publicado no Diário Catarinense em 01/03/2005

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