Carta
aberta ao Homem
Ivana Maria França de Negri
Não temos voz,
não temos vez, a nós só resta aceitar calados nossa sina milenar.
No dia de
hoje, uma boa fada tornou real nosso desejo de obtermos, mesmo que por breve
momento, o dom humano de falar e de nos expressarmos através da escrita, para
contar o que vai na nossa alma – temos alma, sim, um pouco mais rudimentar, mas
temos!
Tudo começou
como descrevem as Sagradas Escrituras. No princípio Deus criou o céu, a terra,
a luz, os astros, as águas, toda exuberância do verde, e viu que tudo era bom.
Depois, colocou nesse paraíso encantado, animais e humanos, moldando estes
últimos à sua imagem e semelhança, ordenando que vivêssemos em harmonia. Somos,
humanos e animais, feitos igualmente de carne, ossos, sangue, temos um coração
que pulsa na mesma cadência, um corpo que sente dores e um cérebro pensante.
Com o passar
do tempo, vocês, homens, foram dominando as outras criaturas com as quais
dividem o planeta, declarando-se os verdadeiros donos de tudo. Para provar sua
superioridade, passaram a se alimentar de nossa carne, beber o leite destinado
aos nossos filhos, a arrancar nossa pele, ossos, couro, dentes e também
obrigou-nos a usar nossa força natural para trabalhar para vocês. Nunca nos
rebelamos, ao contrario, aceitamos esse destino cruel em troca de alimento e da
sua companhia.
Só que ainda
não era o bastante. Vocês passaram a nos escravizar, maltratar e a utilizar
nossos corpos em macabros rituais e em dolorosas experiências nos seus
laboratórios, em nome da ciência. Um instinto sádico aflorou na raça humana,
que passou a aprisionar em gaiolas as aves canoras e elas nunca mais puderam
usar as asas. Inventaram torturas o que denominaram de esporte e diversão, mas
para nós é motivo de sofrimento e dor: caça, pesca, tourada, rodeio, vaquejada,
circo, briga de cães, rinha de galos. Saibam que não gostamos de brigar, mas
vocês nos treinam para isso.
Nossa vida não
vale quase nada para vocês. Não nos devotam nenhum respeito, mesmo sabendo que
sem nós, a espécie humana seria extinta.
Ah sim, existem alguns
humanos especiais, que nos amam e respeitam, e a esses somos muito gratos. Eles
nos defendem e até criaram alguns direitos para nós. Mas são discriminados
pelos outros que os chamam de tolos defensores de desprezíveis irracionais.
Só que o
mundinho de vocês, ao invés de melhorar, está cada vez pior. Há brigas e
disputas em jogos sujos e violentos. Surgem milhares de inventos a cada ano,
aparelhos eletrônicos, máquinas sofisticadas que fazem de tudo e trabalham por
vocês. Conquistaram até o espaço, mas ainda não conseguiram ter paz e nem
sentir a verdadeira felicidade. Tudo tem um preço, e o deus que cultuam e
buscam pela vida toda, até morrem por ele, tem o esquisito nome de “dinheiro”.
Seus corações se embrutecem cada dia mais. Se entopem de nicotina, de drogas,
de bebidas e nada os satisfaz. A fome, dor e miséria dos outros não incomodam
vocês. Entorpecidos, na selva de concreto e plástico que criaram, cercados de
grades e cadeados, parecem zumbis. O medo e a violência imperam.
Perdoem-nos,
mas na nossa ignorância animal, sentimos que a felicidade está nas coisas
simples que vocês foram esquecendo ao longo da sua evolução na terra. E seus
olhos ambiciosos já não mais enxergam um nascer do sol, a beleza das flores e nem
sentem o seu inebriante perfume. Não vêem o brilho da lua e das estrelas e não
se contaminam com a alegria das crianças. Acham tudo isso perda de tempo e vão
extinguindo diversas espécies de animais, derrubando árvores, poluindo as águas
que ainda restam límpidas e, principalmente, vão se esquecendo do verdadeiro
significado do verbo amar.
E a paz só
brota no coração de quem ama.
Nós,
irracionais, não precisamos do seu deus de papel, e sim do Deus que vocês
esqueceram. Por isso, apesar de tudo, somos mais felizes que vocês. Talvez seja
esse o grande segredo e o caminho da sonhada paz que os homens tanto
procuram... Assinado: Os animais.
Oração dos Animais
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