Cássio Camilo Almeida de Negri
Era uma época em que as casas ainda eram
lares. Havia quintal com galinhas, galo, horta e até outros pequenos animais.
O menino tinha uns dez anos quando seu
tio trouxe um cabrito bem filhote, que ainda mamava na mamadeira.
O garoto pulava de alegria ao ver o
pequeno e indefeso animal que mal podia andar. Tirado que fora da mãe, ainda
bebê, estava afoito para encontrá-la e berrava desesperado enquanto o menino o
afagava no colo.
Os olhinhos inocentes dos dois seres se
encontraram e o garoto foi adotado e adotou o pequeno animal, não sei se como
pai, como mãe, ou como os dois ao mesmo tempo.
Ficou como obrigação diária dar a
mamadeira ao animal, e ele foi crescendo rapidamente.
O inocente filhote de homem, todos os
dias passava os dedos na gengiva careca do caprino, até que um dia, muito
feliz, foi correndo e gritando avisar a mãe que os dentinhos inferiores e
superiores estavam nascendo. Quando colocava o dedo para a palpação gengival, o
pequeno, pensando ser o bico da mamadeira, tentava sugá-lo.
O tempo passou lentamente até que o
cabrito, já maior, vinha berrar bem cedo debaixo da janela do menino, como a
chamá-lo, e o menino saía pela janela e um corria atrás do outro. O cabrito
saltitava feliz dando pequenas cabeçadas no garoto.
Poucos meses depois, numa das cabeçadas,
o menino percebeu os dois chifrinhos começando a despontar, o que o levou a ter
mais cuidado nas brincadeiras das cabeçadas.
O
pequeno Bito, assim era seu nome, passou a comer de tudo e gostava muito de
mascar as roupas que puxava do varal, causando desespero à Sebastiana, a
empregada da família.
Assim, chegou o mês de dezembro, e lá
pelo meio do mês, seu tio comunicou que era hora de abater o pequeno ser, que
foi amarrado pelas pernas e imolado. Enquanto a faca penetrava o tórax do
bichinho, tentando acertar o coração, este berrava com todas as forças, até que
finalmente silenciou quando o órgão vital foi acertado.
Então, seus olhos se fixaram nos do
menino, lágrimas correram, seus movimentos pararam e os olhos permaneceram
abertos, pupilas dilatadas, como a dizer:
- Meu amigo, você me traiu...”
Desde então, o garoto, já homem, quando
chega o Natal, ao olhar a manjedoura e o
cabrito ao lado do Menino Jesus, sente de novo aqueles olhos suplicantes
fitando os seus e repetindo “traidor!...”