Artigo escrito por João Meirelles Filho* e Mariana Buoro** foi originalmente publicado pela revista multimídia Página 22, suportada pelo centro de estudos em sustentabilidade da FGV-EAESP e referência no mercado editorial brasileiro no tema da sustentabilidade. Veja reprodução abaixo ou versão original aqui.
Na luta pela conservação das condições de vida humana no planeta, mesmo um tema mais abstrato como o impacto dos combustíveis fósseis nas mudanças climáticas é compreendido pela maioria. Difícil é relacionar escolhas pessoais de consumo com a destruição ambiental. É reconhecer que nosso próprio prato contém alimentos que ameaçam nossa sobrevivência. No entanto, precisamos encarar que a agropecuária é a grande responsável por mudanças no uso da terra, desmatamento e queimadas, com emissões de gases tão representativas quanto as de fontes de energia não renováveis [WRI, 2016].
Se há forte movimento de entes públicos, empresas e cientistas sobre as alternativas à queima de combustíveis fósseis, a discussão sobre a nossa dieta e suas consequências ainda é pífia [CHATTAM H., 2015]. São raros os estudos que contabilizam o impacto das decisões de consumo alimentar, em especial das proteínas de origem animal [LAMB et alii, 2016]. Em verdade, como civilização humana, até agora, priorizamos as proteínas de alto impacto socioambiental, e raros consumidores sabem disto.
O aumento de renda, urbanização, e expansão de novos hábitos alimentares modificou radicalmente nossa dieta. Cada vez mais, substituem-se porções significativas de grãos por carnes e laticínios.
O alarme soou em 2006, quando a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) concluiu que a produção de carnes contribuía com 18% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Como a demanda continua a crescer, será preciso duplicar a oferta em menos de 50 anos, o que deve piorar o índice. Metade das áreas férteis do planeta é ocupada pela pecuária e para a produção de rações para animais, exaurindo-se possibilidades de usos diversificados da terra. A questão, portanto, não se restringe à agenda de vegetarianos, religiões, ou em defesa de animais. É o planeta que não tem mais espaço para a produção de proteínas de alto impacto [FAO, 2006 e 2009].
O alto gasto de água (a produção de 1 kg de carne bovina exige 15,5 toneladas de água) resulta em produtos animais contribuindo com mais de um quarto da pegada hídrica da humanidade [HOEKSTRA et ali., 2008]. A ineficiência na conversão alimentar de energia das carnes exige altos insumos de ração e pasto (um terço dos grãos do mundo é para alimentação animal, e 90% da soja brasileira). Insistir no modelo atual de produção de carnes e laticínios ameaça a segurança alimentar planetária, especialmente dos mais pobres. Ao destinar metade das terras para carne (ou ração), deixaríamos de atender as demandas proteicas para dois terços da população mundial que já são excluídos do acesso a carne e a laticínios por falta de recursos.
O Brasil, embora grande vilão, não se mostra preocupado com isso e se esforça em se consolidar como o líder mundial de proteínas animais. Por aqui, graça a ideia que a pecuária e os grãos para ração são o motor da economia [SILVA NETO & BACHI, 2014]. Porém, este setor é altamente ineficiente e arcaico, ocupa cerca de 30% do território, ou 2,4 milhões de quilômetros quadrados, enquanto nem sequer produz 8% do PIB e gera poucos empregos, a maioria informal. A pecuária bovina sozinha é responsável por 62% das emissões de GEE do País [BARRETO, 2015].
Rediscutir a dieta – um tabu?
Se os impactos da proteína animal são devastadores, por que o apelo pela contribuição popular com o meio ambiente restringe-se a recomendações pueris como “separe o lixo” e “tome banhos curtos”? Por que a mídia, a academia e mesmo os ativistas não discutem a dieta do brasileiro e do planeta? O que justifica a manutenção do aparente “foro privilegiado” de que goza a pecuária no Brasil?
Curiosamente, o brasileiro se coloca como um dos povos mais preocupados com o ambiente e mudanças climáticas [LEISEROWITZ, 2007; PEW 2015]. Entretanto, a maioria de nós não toma decisões racionais baseadas no conhecimento sobre o impacto socioambiental do consumo e de suas consequências às próximas gerações.
Está na hora de buscarmos proteínas de baixo impacto socioambiental e baixo custo econômico, que promovam geração de emprego e renda, igualdade, bem estar humano e animal, e possibilidade de sobrevivermos neste planeta, com impacto altamente positivo para a saúde humana e o clima [SPRINGMAN, 2016].
Discutir abertamente o problema é o primeiro passo. A questão precisa estar no currículo escolar, na pesquisa científica, na mídia (por que a moda de programas de TV culinários ainda não tocou no problema?). Precisamos de indicadores acessíveis e honestos que nos informem sobre o impacto socioambiental do que comemos. Assim, com mais acesso à informações e ao debate, quem sabe não tomamos melhores decisões de consumo consciente?
* Escritor e empreendedor social, é diretor do Instituto Peabiru. Milita na questão do impacto da carne há 30 anos.
** Formada em Relações Internacionais, é colaboradora no Instituto Peabiru.