Sem reportarmo-nos à idade da pedra, verificamos que os povos selvagens, bárbaros ou pagãos, de poucos séculos, assemelhavam-se a verdadeiros animais nos seus festins carnívoros, feitos para satisfazer exclusivamente os desejos primários do corpo. Mas, evidentemente, eram espíritos embrutecidos e sem o dom seletivo de distinguir o repugnante do agradável, pois rasteavam o solo devorando o que encontravam, submissos à fome voraz.
Na época, os povos mais evoluídos, ou pretensamente civilizados, ainda prendiam-se ao epicurismo repugnante de uma alimentação bestial. Os fenícios devoravam antílopes com chifres, pavões com penas, carneiros com vísceras e cozidos no vinho branco, cãezinhos superengordados, lavados no açafrão e assados com toucinho. Eram vorazes comedores de gafanhotos ao molho de rabana, cigarras e língua de pássaros frita no molho de frutas.
Os romanos também eram ávidos de iguarias grosseiras e repulsivas; sua nutrição exigia apenas a quantidade de animais, répteis, aves e insetos, pouco lhes importando o tipo de vísceras e rebotalos que empurravam goela abaixo aos goles de vinho ácido! Aliás, o fenômeno hoje se repete de modo ainda mais requintado, pois malgrado os foros de civilização dos atuais terrícolas ciosos de etiqueta social e vestirem-se com ternos de casimira, nylon ou usarem camisas com punhos de abotoaduras de ouro, eles ainda se alimentam de galinhas, porcos, bois, carneiros, rãs, tatus, tartarugas, jacarés, polvos, coelhos e até cobras! Naturalmente, tais “acepipes” se disfarçam sob os nomes mais pitorescos e nos artísticos cardápios de hotéis e restaurantes modernos! Em verdade, os célebres pastéis de coelho e nacos de língua de urso dos antigos gregos de Péricles hoje têm a sua equivalência epicurística no sanduíche de pernil e na própria língua de boi ao “molho-pardo”!
Em verdade, o homem explora o homem nesse requinte de alimentação carnívora, pois os “mestre-cucas” modernos já possuem diplomas acadêmicos para exercer o seu mister necrofágico! Aqui, disfarçam o ensopado desagradável de retalhos de estômago de boi, sob a sugestão da “dobradinha à espanhola”; ali, encobre-se o repugnante cozido de repolho com presunto e pé de porco, sob o misterioso prato do “eisben” alemão; acolá, o charco de gorduras onde nadam detestáveis pedaços de orelhas, costelas, tendões e pés de suíno, em mórbida promiscuidade com temperos excitantes, denomina-se a cobiçada “feijoada completa”! Há rins no espeto e vertendo albumina, gorduroso tutano de ossos na sopa de mocotó, ou sopas de peito com nauseantes retalhos de pulmões de boi; o fígado frito com o pó de pão “à milanesa”, o churrasco ou a costela a fogo lento, cuja carne carbonizada se disfarça sob o tempero da pimenta e cebola!
Os bárbaros ainda pareciam mais honestos na sua cozinha repulsiva, pois devoravam as vísceras cruas dos animais, sem sofismas e requintes de temperos refinados, como é a alimentação carnívora dos civilizados!*
Livro: A Vida Humana e o Espírito Imortal
Hercílio Maes, pelo Espírito Ramatís
Editora do Conhecimento
(*) – Nota do médium:
Quanto a essa perversão do paladar, ainda hoje existente no cidadão do século XX, e que é tão comum às criaturas de todas as esferas de atividade do mundo, como médicos, sacerdotes, nutrólogos, professores de higiene, compositores e artistas de avançada sensibilidade psíquica, inclusive católicos, protestantes e espíritas, podemos observar certas contradições excêntricas. Há o “frango à Califórnia”, por exemplo, onde a repugnância dos nacos de galinha assada no próprio suor gorduroso mistura-se à delicadeza e ao sabor delicioso de pêssegos, ameixas, morangos e tâmaras. Há pratos sangrentos com fatias de abacaxi ou maçã ao forno; carne de leitão com bananas “à milanesa”, e a própria “feijoada completa” é acompanhada de saborosas laranjas! É quase estranho que o paladar humano possa chegar a tanta insensibilidade de misturar albumina, sangue e bílis aquecida com frutas tão deliciosas!