Traiçoeiro, eu? |
O Padre Pop e os gatos
Ivana Maria França de Negri
O padre Marcelo Rossi pisou na bola. Que me perdoem os defensores da liberdade irrestrita de expressão, os que condenam a censura e acham que tudo pode ser dito sem o filtro do bom senso.
Ninguém é obrigado a gostar de gatos, mas deve respeitá-los como criações divinas. Ou será que Deus se equivocou ao criar os gatos? Gosto não se discute, mas preconceito, sim.
“Gatos são traiçoeiros. Deixem seus animais perto do rádio para receberem a bênção. Se quiserem, podem trazer seus animais, menos os gatos”, foi o que disse o citado padre fazendo uma careta, no dia de São Francisco de Assis, na missa onde seriam abençoados os animais. Brincadeira ou não, repercutiu negativamente entre os amigos dos gatos e protetores de animais. Afinal, quem foi traiçoeiro, segundo a bíblia que ele prega, foi Judas, um homem, e não um gato.
Vindas de uma pessoa pública, formadora de opinião, celebridade e ídolo de multidões, essas palavras caíram como flechas ferinas. Vieram da boca do mesmo padre que canta em seu CD, com milhares de cópias vendidas, a música: “os animaizinhos subiram de dois em dois, o canguru e o sapinho como os filhos do Senhor”.
Talvez, em algum momento da sua vida o padre tenha sido influenciado por aquela fabulazinha que todos ouvimos na infância que contava que Jesus pediu água e o gato, com preguiça, urinou numa canequinha, mas o leal cão, trouxe água fresca. Seria esse o motivo da antipatia dele por gatos?
Ou seria porque a igreja, por séculos, queimou os felinos nas fogueiras da Santa Inquisição junto com suas donas, consideradas bruxas? Um papa, Inocêncio VIII, chegou até a incluir os gatos pretos na lista dos hereges e eles foram perseguidos impiedosamente e queimados com as pessoas acusadas de feitiçaria. No dia de Todos os Santos, centenas de gatos eram colocados em sacos e jogados vivos nas fogueiras. Diziam que as bruxas habitavam seus corpos e precisavam ser eliminadas. Quantos inocentes, gatos e humanos, foram incinerados nessa época negra da História?
No Aurélio, traiçoeiro quer dizer: pérfido, desleal, vil, infiel. Já tive dezenas de gatos em minha vida. Nenhum mostrou-se traiçoeiro. Se os gatos não gostam de algo, demonstram, são sinceros. E todos foram, e são, extremamente carinhosos e leais.
Mas não posso dizer o mesmo dos humanos. Já tive inúmeras decepções com pessoas. Já votei em políticos de duas caras que depois de eleitos traíram minha confiança. Já tive “amigos” que teciam elogios quando na minha presença, mas por trás caluniavam. E os gatos é que são traiçoeiros?
Não se trata de condenar quem pensa diferente. Não é crime pensar diferente. Mas quando se abre a boca para falar em público há que se ter bom senso. Nem tudo pode ser dito pois pode ter consequências desastrosas. Aprende-se nas aulas de catecismo que se peca através de pensamentos, palavras e obras.
As religiões, de modo geral, apregoam o amor universal a todos os seres, o respeito a todas as criaturas que fazem parte da obra do Deus que louvam.
Os defensores de animais são sempre execrados e tidos como xiitas. Têm que ouvir sempre a mesma ladainha: “por que não cuidam de criancinhas e idosos ao invés de animais?” E a resposta é esta: todos os seres fazem parte da criação divina e cada pessoa tem livre arbítrio para escolher o alvo de suas ações. Geralmente quem atira pedras, nada faz, nem para crianças, nem para idosos e muito menos para os animais.
Liberdade de se falar o que pensa é um direito inalienável de todos, mas o bom senso deve prevalecer sempre. Palavras proferidas não voltam. Às vezes, calar é ouro.
Tribuna Piracicabana
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